terça-feira, 21 de julho de 2009

Eu sou filha de um divórcio

Tive uma ocasião em que julguei estar a viver fora de mim, como se conseguisse ver-me a mim e às pessoas que me rodeavam... quando numa sala em penumbra dei com ela inaminada, baralhada e com uma vontade de terminar com uma vida que julgava só a atingir a ela. Lembro-me de ter sido eu a pressentir, de insistir que voltassemos a casa, de ser a 1ª a entrar em casa e de a chamar, e de ouvir um "deixa-me!!" de ouvir a embalagem a cair no chão, de alguém ter entrado, de outro alguém me ter levado para fora de casa, de a obrigarem a levantar-se, a andar, dela não querer, dela gritar que queria dormir, de eu me sentir perdida, assustada. De vê-la entrar no carro contrariada a gritar que queria morrer, de vê-la a abrir a porta do carro em andamento e cair... alguém se lembrou de me tirar dali.
A revolta do fim de um amor, levou-me parte da minha vida e deu-me outra sem medo mas com mais reponsabilidade.
Passei a dar-lhe mais importância a ela do que a mim. Protegê-la era o que me fazia viver. Tentei da melhor maneira possível protegê-la da minha verdade e deixei-a apenas sofrer o desgosto dela.
Aguentei todas as bofetadas psicológicas, muitas abafadas em sedativos outras inundadas de líquido.
Comi e calei.
Sonhava poder dar-lhe uma casa melhor, e nunca que ela olhasse para o que me estava a obrigar a viver.
Tive saudades de amigos que fui perdendo por nunca estar muitos anos numa mesma casa, senti-me isolada e carregada de solidão.
A violência das palavras era tão grande que aprendi a fazer daquele jogo a minha defesa e tudo o que eu sentia julgava eu que deveria ser o mais protegido possível, para que nunca ninguém soubesse que podia haver tamanho sofrimento enclausurado.
Tinha 11 anos e a obrigação de viver 3 vidas. A minha, a dela e a dele. Nenhuma delas me fazia feliz. Ele um dia perguntou-me o que eu achava daquela situação e eu defendi-a a ela e não a mim, foi a única vez que senti que alguém se tinha lembrado de mim.
A vida dela era minada de desamor, angustia, revolta, raiva, desgosto e desânimo.
A vida dele era minada de noitadas, amigas, objectivos egoístas, trabalho e paixões.
A minha vida era minada por todas essas coisas, que me obrigaram a viver com eles.
Eu sabia que não havia volta a dar, afinal era eu que via a cama dele cheia semana após semana, os abraços, as festinhas, os risos sexuais nas noitadas em que eu tinha que ir com ele.
O ele que ela conhecia não existia, o ele com quem ela viveu não era verdadeiro e ela não sabia, mas eu sabia. Nunca os quis juntos novamente e ela não entendia e eu não lhe dizia para que ela não sofresse ainda mais.
Cansei-me de acordar e não saber onde estava.
Chorei tanto sem ninguem ouvir e sem ninguém que quisesse ouvir.
Vi-a a magoar-se quando desesperava por um abraço, um carinho, como aquele com quem viveu a fazia sentir-se amada e acarinhada.
Chorei por vê-la a dar-se sem querer, por ver que eles não a viam como ela queria, e depois ela chorava, e eu ouvia-a sem ela saber.
Eu ouvi tanta coisa, eu percebi tanta coisa que nenhuma criança deveria sequer imaginar.
Quando fui chantageada por ele para ir viver com ele, percebi o que ele estava a fazer e ele fingiu que era apenas um conselho. Bati a porta do carro dele, entrei na casa dela e perdida naquilo que era meu, ou dela, ou dele, fechei-me uma vez mais na casa de banho e chorei ao ver que quem me devia proteger acima de tudo, sempre brincou comigo como bem quis e pouco se importou se eu era ou não era feliz.
Secamente disse-lhe a ela que ía para a casa dele, alegando 3 anos para ti 3 anos para ele.
Protegi-a de uma condenação que ele me vendeu como sendo possível, em troca de viver com ele, e comprometia-se a ajudar-me no meu objectivo lectivo - medicina.
Tudo se mostrou uma grande mentira, como grande parte dos meus primeiros anos de vida.
Desabafei numa composição sob o título "filha de um divórcio", antes de ir viver com ele. Tive a melhor nota e também a hipótese de poder desabafar com a professora. Assim o fiz numa tentativa desesperada de salvamento. Chorei no ombro dela e julguei-a minha salvadora... infelizmente ela nada fez e para nada serviu eu ter desabafado pequeno pedaços da minha dor. Nessa altura tive a confirmação que não deveria desabafar, que o meu sofrimento deveria ser mantido em segredo, porque era muito grave e sem salvação.

Vivi durante anos o sonho de um dia alguém me chamar e dizer que aqueles não eram os meus pais, que aquela não era a minha vida.
Queria tanto me sentir querida, acarinhada e protegida.
Finalmente aos 18 anos conheci o meu marido que me mostrou que era possível, que afinal nada estava mal comigo, apenas o sofrimento dos meus pais me tinha atingido ficando eu no meu da vida deles.
Ao criar a minha vida pude apreciar de fora parte do meu sofrimento, de toda a minha infância e adolescência e captar a forma extraordinariamente madura e responsável como sempre, não só defendi a minha mãe, como me consegui manter em cima do bote em vez de me alagar em vícios para compensar a amargura em que vivia suterrada.


A todos aqueles que acabaram de ler este texto, por favor olhem as crianças filhas de um divórcio como sendo o ponto fundamental e mais precioso de todo o processo. Não como falam os livros, mas sim com a consciência física, com que se deve tocar nestas crianças, com que se deve falar com estas crianças. É importante parar para pensar que quem deve ser julgado e punido são apenas os 2 protagonistas de uma relação que acabou.
As crianças que devem ser geradas através de uma amor entre 2 seres, nunca devem ser usadas como arma para ferir o outro.
PAREM!
Nenhuma criança, nenhum filho deve viver o divórcio dos pais!
Eles não se divorciaram de nenhum dos pais!
O erro é VOSSO!
Assumam-no com dignidade!
Respeitem o ser que veio ao mundo sem pedir para viver em 2 casas.
Digam-lhe o quanto o amam! Digam-lhe a verdade, guardem o rancor para quando a crianças estiverem longe.
Não se agridam com a criança a ouvir. Uma coisa é discutir outra é se insultarem ou falarem mal um do outro na ausência do agredido.
Pensem muito bem antes de optarem pela guarda conjunta. É terrível acordar e ficar uns segundos demasiados longos e angustiantes a tentar descobrir de quem é aquela casa.
Partilhem a vida dos vossos filhos, não os queiram só para o retirarem ao pai ou à mãe!
Ponham-se no lugar das crianças antes de qualquer decisão!
Mais importante do que decidir com quem é que fica o abajour comprado em Peniche, é saber balancear a vida de um ser que se vê obrigado a dividir-se.
Pensem nisso!

Eu sobrevivi a muito sofrimento (infelizmente a muito mais do que aqui descrevi) e percebo hoje que foi para passar a palavra o motivo que não me fez perder-me pelo caminho, afinal tive todas as portas abertas, mas mesmo assim mantive-me sempre no meu caminho, e acreditem que os pedragulhos eram demasiado afiados para eu os pisar.



É a primeira vez que falo nisto...
chorei baba e ranho ao reviver aqueles momentos,
mas lavei a minha alma ao saber que alguém pode
aprender um pouco mais sabendo como se pode sentir
um filho de um divórcio.

4 comentários:

xanasofia disse...

Um beijo grande para ti !!!!!
xana

Rita disse...

E eu... eu fiquei com um nó na garganta e as lagrimas nos olhos...

Beijo

Anónimo disse...

Sem palavras...
...infelizmente são demasiados os casos de divorcio em que as crianças são usadas como armas de arremesso pelos pais...
Bjito
Maria & Companhia

Tella disse...

Um beijo grande diana.

Cristele